Movimento Popular, Transporte Público

6 anos de Movimento Não Pago: uma experiência de luta popular na grande Aracaju

*por Alexis Pedrão

Em janeiro de 2011 foi fundado o movimento Não Pago. Alguns poucos jovens se aproximaram com objetivo de enfrentar mais um abusivo aumento de passagem de ôninbus na grande Aracaju (Aracaju, Socorro, São Cristóvão e Barra). Mas, com uma inquietação: “Ora, se o aumento de passagem de ônibus vem ocorrendo todo ano, porque esperar isso acontecer para nos organizarmos?”. O grande desafio era um movimento permanente, que não ficasse restrito a um mês de atividades, duas ou três manifestações.

Desde a chegada da crise em 2007/2008 temos visto uma intensidade maior das lutas em todo o mundo. Aqui no Brasil passamos pelas jornadas de junho, por um golpe presidencial, e mais recente uma greve geral. Hoje o país enfrenta sua pior crise politica após as denúncias de corrupção envolvendo Temer e o alto escalão do governo e da base aliada. O “Não Pago” vem resistindo durante esse período com muitas dificuldades, algumas conquistas e seis anos depois segue dando passos no objetivo de organizar jovens, trabalhadores e desempregados para a luta.

O transporte é uma pauta histórica

A questão do transporte é antiga. A privatização do sistema e as lutas populares envolvendo a pauta são muito maiores que a breve história do “Não Pago”. Na verdade, existem desde o sistema de bonde elétrico e da chegada das primeiras empresas de transporte em Aracaju:

“Anos após, com a chegada das primeiras Kombis e ônibus, chamados marinetes, inicia-se uma concorrência entre o transporte urbano rodoviário e o serviço de bondes elétricos, que iniciam um período de decadência. (…) Em 1955 ocorre a extinção do sistema de bondes elétricos. O serviço de transporte urbano rodoviário segue em expansão, sendo ofertado por algumas empresas de ônibus, mas hegemonizado pelo serviço de Kombis-Lotação – prestado por inúmeros pequenos proprietários (ANJOS, 2005). Nesse período o transporte urbano rodoviário não contava com nenhuma regulamentação do poder público, fato que só ocorre em 1968, quando o executivo municipal, através de concorrência pública, institucionaliza o sistema de transporte por ônibus e estabelece a ilegalidade do transporte de passageiros por Kombis – fato que ocasionou em uma série de protestos por parte dos proprietários de Kombi. A partir de 1968 o governo municipal estatui o sistema de transporte coletivo urbano de Aracaju garantindo o monopólio da exploração do serviço para apenas 2 empresas de ônibus que já operavam no transporte interurbano no estado de Sergipe. A Bomfim Urbana e a Nossa Senhora de Fátima passam a explorar o serviço de forma isolada, a partir da divisão da cidade em duas zonas de atuação.” (VARJÃO, 2014, p. 20 e 21)(1)

Em seguida, essas empresas se articularam em torno do SETRANSP e há mais de 40 anos monopolizam o sistema de transporte coletivo urbano da grande Aracaju. Em todo esse período os trabalhadores e a juventude vem resistindo às imposições do empresariado. Uma importante base veio do início dos anos 2000, quando explodiram mobilizações contra o aumento da passagem em todo o Brasil e em 2005 esse movimento acabou se unificando nacionalmente por meio do MPL – Movimento Passe Livre. Em Aracaju, o MPL atuou durante alguns anos e sem dúvidas foi uma referência para o “Não Pago”(2).

Como não é possível abandonar a história da luta pelo transporte na capital, relembramos sempre dos tempos do MPL – Movimento Passe Livre e reivindicamos esse acúmulo como parte fundamental para nossa leitura da realidade nos dias atuais. Assim, não desconsiderando o que já passou, aprendendo com diversas experiências de luta, nos propomos a dialogar. (NÃO PAGO, Quem somos?, 2011)

Portanto, mesmo com identidade própria, o “Não Pago” representa um capítulo de continuidade histórica da resistência popular contra a exploração e os abusos da burguesia, em especial a dos transportes urbanos.

Atuação e conquistas

O “Não Pago” sempre priorizou a ação direta nas ruas. Por diversas maneiras como panfletagens, rodas de conversa, passeatas, enquetes populares, fechamento de vias públicas, liberação de catracas, atividades culturais e solidariedade as demais lutas. Por outro lado, o movimento não abriu mão de ocupar as brechas abertas pela institucionalidade para dar maior visibilidade às reivindicações. Dessa forma, enquanto organizava suas atividades e seus próprios canais de comunicação, pressionava o poder público em todos os órgãos: câmara de vereadores, Ministério Público, judiciário, Tribunal de Contas, OAB, etc. Também ocupou a grande mídia e o processo eleitoral apoiando candidaturas ou diretamente com candidatos do próprio movimento aliado a partidos de esquerda

Algumas conquistas então surgiram. Pequenas, mas significativas. Somente com a pressão do movimento em 2012 passou a ser cumprida a lei orgânica que obriga os vereadores a votar sobre o aumento de passagem. Antes o prefeito aumentava por sua própria conta! Em seguida, depois de muita mobilização, em 19 de junho de 2013 conseguimos a redução do preço da passagem(3). Também no mesmo ano, após minuncioso estudo o movimento comprovou fraudes nas planilhas de custo (depois confirmadas pelo TCE) e conseguiu pela primeira vez na história anular na justiça o aumento da passagem(4). Como era de se esperar, dois dias depois a “justiça” voltou atrás e concedeu liminar a favor das empresas. Mas a ação ainda aguarda julgamento final.

Não bastasse as lutas em torno da melhoria do transporte coletivo, o Não Pago também se envolveu em ocupações de moradia, lutou ombro a ombro com os taxistas alternativos, rodoviários, camelôs, movimentos culturais, movimentos feministas, etc. Nunca descartando o debate e as bandeiras mais amplas do transporte, como a tarifa zero, estatização do sistema e controle popular o movimento se ampliou para a luta dos direitos sociais, estando presente em diversos espaços de resistência da população.

Dificuldades organizativas e políticas

As dificuldades são diversas. Primeiro, uma parcela acredita que não adianta lutar, que é uma perda de tempo, pois nada vamos conseguir mudar. Segundo, outra parte pensa que não vai demorar naquela situação. Que muito em breve vai melhorar de vida, a ponto de comprar uma moto ou um carro e, portanto, não deve perder tempo com protestos por melhorias no transporte. Por último, pelo fato de o movimento ser formado principalmente por uma juventude e trabalhadores precarizados. É difícil manter uma participação regular no movimento quando se está desempregado ou trabalhando em um local diferente a cada seis meses.

Uma grande dificuldade é a forte repressão sobre o movimento e qualquer tipo de luta popular. Com a propagação da ideia de que as manifestações são violentas, muitas pessoas hesitam em participar. Mas na verdade, são as próprias forças policiais que provocam os tumultos e as agressões. Ao longo desses anos, mesmo com a constante denúncia, militantes foram agredidos, perseguidos e várias prisões foram efetuadas contra o “Não Pago”. Em quase todos os protestos há um forte aparato repressivo que acompanha lado a lado a manifestação. Até mesmo a tropa de choque já foi utilizada para reprimir uma passeata pacífica do movimento.

Além dessas questões concretas, existe a defesa da independência política e financeira que é um dos princípios do movimento. Desenvolvendo suas atividades com auto-financiamento ou, no máximo, com a ajuda de sindicatos classistas, o fato é que sempre há poucos recursos. A autonomia é uma escolha necessária, mas, sem dúvidas, é muito mais difícil construir uma força social sem o suporte de grandes aparatos. Por último, há uma barreira na articulação. Sendo o “Não Pago” organizado somente em Sergipe, carece de uma relação mais orgânica com outros movimentos em luta no Brasil. Não é tarefa fácil nacionalizar um movimento ou articular uma rede de movimentos em ação. Contudo, precisa ser realizada.

Desafios da caminhada

O “movimento Não Pago” tem sido uma grande escola. Por meio desta ferramenta jovens e trabalhadores, homens e mulheres, tem se organizado para lutar contra as injustiças do sistema de transporte, contra as opressões e a exclusão social. Nesse momento delicado do país no qual a burguesia corrupta se esforça para impor o desmonte dos poucos direitos sociais e novas gestões municipais se iniciam, a questão do transporte está novamente na ordem do dia. Mas, como temos observado, não apenas ela.

Nesse sentido, penso que a organização de um movimento popular envolvido em questões urbanas passa por uma pluralidade de pautas. Precisamos de uma única vez abarcar as diversas demandas como a luta da moradia, a luta contra a violência e o extermínio dos negros na periferia, mulheres, LGBT’s, questões ambientais, transporte, etc. Um bom exemplo é a resistência da Ocupação Veneza 2 em sua luta por moradia, emprego e dignidade(5).

Este processo deve ser mais que a simples união de pautas e desembocar na construção de um projeto alternativo de cidade e sociedade. Para ser realmente democrático necessita ser construído nas lutas da forma mais coletiva possivel. Assim, atuar em conjunto, construir frentes, debates públicos, campanhas coletivas é o melhor caminho a seguirmos. A unidade em torno de um programa que reflita as demandas populares é urgente!

*Alexis Pedrão é militante da NOS/PSOL.

Notas:
(1)Demétrio Varjão. Estado, Capital e a precarização do serviço público de transporte da Grande Aracaju. UNIT. 2014.

(2)Não Pago. Quem somos? 2011. Disponível em:
http://movnaopago.blogspot.com.br/p/quem-somos.html

(3)João Alves determina redução da tarifa dos ônibus. Disponivel em:
http://www.aracaju.se.gov.br/index.php?act=leitura&codigo=54759

(4)Passagem do Transporte volta a R$2,25. Justiça atendeu as reivindicações do Movimento Não Pago. Disponivel em: http://www.infonet.com.br/noticias/cidade/ler.asp?id=146636

(5)Todo apoio a luta dos moradores da Ocupação Veneza 2. Disponivel em:

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